Startup Brasileira pretende mudar as pesquisas genéticas no Brasil
Muitos investidores já avaliam os retornos potenciais de empresas com alguma ação ou produto novato dedicados à diversidade e impacto social. Pouco se fala, porém, dos ganhos reais da aplicação prática da visão em favor da diversidade em setores mais tradicionais, como a ciência. Na contramão dessa lógica está a gen-t, biotech que pretende mudar a maneira como a indústria farmacêutica olha para diferentes vieses sociais e culturais na hora de fabricar medicamentos.
A empresa, criada pela pesquisadora e geneticista brasileira Lygia Pereira, chega ao mercado nesta semana, e pretende alterar de vez o status quo adotado por fabricantes de medicamentos no Brasil ao criar o primeiro banco genético privado do país.
Como surgiu a gen-t
A gen-t surge como uma spin-off do projeto DNA do Brasil, um programa de mapeamento do genoma da população criado pelo Ministério da Saúde e liderado por Lygia, que é também doutora em genética humana e professora na Universidade de São Paulo (USP).
A proposta do projeto — e agora também da gen-t — é mapear o código genético de milhares de brasileiros com o objetivo de encontrar similaridades e os melhores caminhos para identificação precoce de doenças crônicas e sequenciar códigos que podem dar à medicina de precisão novos vieses com base em informações reais de uma população tão miscigenada como a do Brasil.
Em linhas gerais, estudos acadêmicos e desenvolvimentos científicos hoje tomam como base, em sua maioria, genomas de ancestralidade europeia, o que reduz as chances de análises mais detalhadas de outras etnias.
“Viajei por muitos países e tive encontros com muitos especialistas para entender que a percepção da comunidade científica era de que estávamos desenvolvendo tecnologias apenas para populações brancas”, diz Pereira, em entrevista à EXAME.
No Brasil, a demanda por diversidade nos bancos de dados e estudos sobre genoma humano começou ainda em 2017, explica Pereira. O passo seguinte foi levar a iniciativa que considera a importância da diversidade étnica e racial para além das competências públicas. “Entendi que era possível ampliar o leque dos estudos genômicos para além da iniciativa pública. Era, sem dúvida, uma oportunidade de empreender”, diz.
Como está sendo construída a plataforma
Neste primeiro momento, a gen-t funcionará como uma plataforma aberta dedicada a recrutar brasileiros que são usuários do sistemas de saúde populares do país.
Na plataforma, chamada de gen-t do Brasil, essas pessoas participarão de uma pesquisa e terão seus dados, hábitos e históricos clínicos de saúde coletados após a assinatura de um termo de consentimento. A meta é, em cinco anos, ter um sistema robusto com informações de cerca de 200.000 brasileiros.
Parceria com dr.consulta
As pesquisas da gen-t começam a partir da parceria com a rede de medicina popular dr.consulta, onde profissionais da biotech devem recrutar pacientes em quatro diferentes clínicas na cidade de São Paulo. Por lá, esses funcionários irão explicar como funciona o programa e fazer uma primeira triagem de saúde nos participantes que inclui exames rotineiros de sangue e pressão arterial, por exemplo.
“Chegar a 200 mil pessoas é uma meta ambiciosa, mas possível”, diz. Para chegar ao resultado, a empresa já busca novas parcerias com outros players ligados à saúde popular, mas em outras cidades do país. “A ideia é chegar aos quatro cantos do país para ampliar ainda mais o discurso da diversidade que temos no Brasil”, diz. “É uma meta ambiciosa, mas possível”.
A biotech conta também com a parceria estratégica da multinacional alemã QIAGEN, especialista em tecnologia de diagnósticos moleculares, para as extrações de DNA dos pesquisados.
Para onde vão os dados?
De acordo com a CEO, a indústria farmacêutica é a primeira interessada nos dados gerados pela plataforma de diversidade genômica da gen-t. Munidas de informação sobre o perfil genético da população dos mercados que atendem, essas empresas podem derrubar o tempo de desenvolvimento de novos produtos e criar medicamentos muito mais assertivos para doenças. “Existe uma demanda muito grande dessa indústria em ter acesso de dados sobre genoma e saúde de diferentes populações'', diz.
Do lado comercial, fabricantes também podem reformular todo o portfólio com base nas doenças mais comuns de uma população, dando maior ou menor espaço para medicamentos específicos. Em outra frente, o acesso privilegiado a informações de saúde da população pode servir de estímulo para que uma empresa inclua um fenótipo ainda inexplorado em seu catálogo.
Diante disso, a gen-t passa a funcionar no modelo B2B, fazendo contratos com farmacêuticas e biotechs que podem usar a inteligência de dados ligados à diversidade genética para acelerar seus processos de desenvolvimento e inovação. “Vamos encurtar o pipeline de desenvolvimento de medicamentos, ajudando essas empresas a responderem questões essenciais de forma rápida”, diz.
Segundo Pereira, a gen-t já conversa com pelo menos três empresas do setor. As conversas avançadas já vão ajudar a enriquecer o recrutamento para doenças e fenótipos específicos que são do interesse dessas empresas. “Surgimos como uma aceleradora de inovação dos outros, mas nosso objetivo é, no longo prazo, também gerar inovação própria”, diz.
Fonte: Exame
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